quarta-feira, 27 de junho de 2018

# Doença # Textos

TOC

Parte do motivo pelo qual criei este blog foi a minha vontade enorme de contar histórias. Infelizmente, em algum momento da nossa vida, todos nos sentimos sozinhos. No entanto, há milhares de pessoas a sentir o mesmo que nós e nem sempre nos lembramos disso. O meu blog serve para dar voz a pessoas que queiram partilhar as suas histórias e chegar ao coração dos outros. É o caso do Leandro, que decidiu escolher este cantinho para partilhar algo que todos devíamos ler.

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D.R.

O texto seguinte é da autoria do Leandro, de 17 anos.

"Tudo começou quando era apenas uma criança. Eu era normal. Tinha medo do escuro, medo de ser abandonado,... Como todas as outras crianças, eu dependia dos meus pais, na verdade, sempre fui uma criança nervosa desde muito novo, mas o pior aconteceu por volta dos sete aos oito anos quando eu comecei a desenvolver um severo Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
Eu não pensei naquilo como uma coisa anormal porque as crianças tentam perceber o mundo com o que lhes é dado, e em tão pouco tempo, estas obsessões e compulsividades tornaram-se na minha realidade. Ainda hoje me lembro da minha primeira obsessão. Durou semanas. Eu vou focar-me apenas nas circunstâncias mais importantes, porque senão eu ficaria aqui por horas e horas e continuaria sem dizer tudo que quero. Voltando à minha primeira obsessão, eu estava a viver na casa do meu irmão temporariamente e eu lembro-me dos vizinhos da frente terem duas estátuas que sempre me assustaram. Neste momento, devem estar a pensar que é completamente normal crianças terem medo de certas coisas e, sim, é verdade, mas o que não é normal é a maneira como o meu cérebro interpretou a realidade à minha volta. Eu lembro-me que se eu fizesse contacto visual com as ditas estátuas, eu acreditava que elas iriam roubar a minha alma e, então, eu fugia o mais rápido possível para a porta de casa do meu irmão e pedia ao adulto que estivesse comigo para abrir a porta o mais rapidamente possível, porque elas viriam atrás de mim. Até agora, isto pode ser visto como um medo muito drástico de alguma coisa, o que também continua a ser, realmente, normal até um certo ponto. Mas o que acontece depois é o que me viria a afetar mesmo oito anos depois (o momento em que estou a escrever isto). A maneira como a minha doença lidou com as coisas prendia-se com eu ter de fazer os malditos rituais quase todas as noites. Ou seja, eu acordava, levantava-me e era obrigado a andar em volta do corredor durante minutos/horas e espreitar o relógio de minuto a minuto. As primeiras partes da noite tornaram-se os meus dias. Eu sofria de ansiedade extrema e não entendia o porquê de este medo que existia na minha cabeça controlar a minha vida. Só sei que não pode ser explicado como “pensamentos”, porque não é isso que eles são. São muito mais que isso. São obsessões no teu cérebro a gritar por ti até não aguentares mais. Teres de te levantar da cama sete vezes, tocares nos joelhos e voltar a deitares-te ou até, neste exato momento em que escrevo isto, eu ter de ter os meus dedos dos pés numa certa posição porque a minha cabeça está a dizer-me que eu vou voltar para o mesmo sítio que acabei de descrever na minha infância só por estar a pensar em tal evento que aconteceu há anos atrás.
Este não foi o único caso. Eu sempre sofri e vou sofrer com estas obsessões todos os dias. Certos dias é mais fácil controlar e ignorar, apesar de conseguir sentir tais obsessões a gritar ao meu ouvido. Mas, noutros dias, durante a minha infância e ainda hoje, elas tornam-se mais fortes que eu. Voltando à minha infância, eu lembro-me de que ir sair com a minha mãe causava-me ansiedade, mesmo pelas coisas mais insignificantes na opinião de pessoas que não sofrem do mesmo problema. Havia dias em que eu simplesmente acompanhava a minha mãe na ida às compras e, por norma, eu passava por postes e, como o passeio era estreito demais, a minha mãe escolhia passar por um lado ou por o outro, enquanto eu era obrigado a passar por um certo lugar ou eu achava que ia ficar preso num mundo diferente. Eu dizia à minha mãe para seguir o mesmo caminho porque, se ela não seguisse esse caminho, coisas muito más iriam acontecer e a culpa seria toda minha. Num dia em que este tipo de obsessão aconteceu, eu chorei por quatro dias porque pensava que a minha mãe era outra pessoa simplesmente vestida na pele da minha mãe. E eu sei que não faz sentido e destrói qualquer tipo de lógica, mas eu devia ter uns nove ou dez anos e pensava que, se a minha cabeça me estava a dizer estas coisas, é porque era verdade. Eu não entendia que o meu cérebro era capaz de mentir a mim próprio, por isso, por mais estúpido que pareça, eu não tinha outra opção a não ser acreditar no que estava na minha cabeça.
Por volta dos onze ou doze anos, eu tentava ir na rua com a minha mãe e, em vez de seguir o caminho mais rápido, as minhas obsessões aterrorizavam a minha mente. Eu achava que. se eu não fosse dar a volta ao parque três vezes antes de seguir aquele caminho, coisas muito más iriam acontecer. 
Aos treze anos de idade, eu mudei-me para a Inglaterra e, dois anos depois, fui diagnosticado com TOC, quando este se tornou tão severo que eu acabei num hospital por não conseguir viver uma vida normal. Depois de estar internado um mês, eu saí e tive direito a terapia, a qual ainda estou a fazer para continuar a lidar com esta doença que me atormenta todos os dias. Foi-me receitada medicação que também me ajuda a controlar o stress das obsessões, mas como anteriormente disse, isto é uma doença séria e eu ainda continuo a sofrer por causa dela. Há quatro semanas atrás, eu melhorei depois de chorar sufocadamente dia sim, dia não, durante seis semanas por causa de uma obsessão muito poderosa. 
Outra coisa que gostaria de dizer antes de acabar este texto é que as obsessões que eu tenho agora são muito mais credíveis e realistas do que anteriormente. Não sou eu a má pessoa, mas sim a minha doença, por isso, se alguma vez alguém se abrir e confiar em ti com este tipo de problemas (o que é preciso muita coragem), por favor, tenta entender e perguntar de que forma podes ajudar. 
Obrigado por lerem a minha história. Eu sei que foi um pouco apressada e que escrevi isto tudo só de uma vez, mas isto são coisas que me dão muita ansiedade, porque a falar nelas faz com que tenham mais poder sobre mim."


Ajudem. Oiçam. Observem. Estejam lá. O significado de viver em sociedade é esse mesmo: estarmos lá uns para os outros.

2 comentários:

  1. É incrível como conseguimos desvalorizar as coisas que não compreendemos e como, consequentemente, podemos ser maldosos perante realidades como estas. Temos que ser mais empáticos, mais atentos, mais calorosos. Como referiste, e bem, viver em sociedade é estarmos disponíveis uns para os outros.
    Apesar de angustiar, foi fundamental trazeres a história do Leandro, porque nos permite compreender melhor os contornos do TOC.

    r: Muito, muito obrigada, minha querida! Significa muito ler isso *-*

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  2. O Leandro teve coragem de partilhar a sua história e imagino que não tenha sido fácil reviver tudo isso. Espero que melhore, dentro do possível. :)

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Até logo, Diamond!

Obrigada pela visita!
Volta Sempre :)