Dar valor
Cátia Barbosa
segunda-feira, outubro 28, 2019
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Dar valor. Na vida, tudo se
resume a isto. Dar valor à família, a um amigo, ao amor que nos enche a alma
ou, simplesmente, a momentos. Valorizar cada instante que temos nesta aventura
que, um dia, terminará. E nenhum de nós quer partir com um sentimento de culpa
por não ter estado quando devia estar ou não ter aproveitado quando a
oportunidade surgiu.
Aos 24 anos, uma das frases que
mais ouvi ao longo desta minha passagem pela vida foi “só damos valor quando
perdemos”. Ouvi este quase provérbio na infância, na pré-adolescência, na dita
adolescência e, agora, na fase adulta. Ouvi-a da boca de jovens, de adultos e
de idosos. De pessoas com e sem instrução. De empregados e desempregados. No
fundo, de toda a gente. Já toda a gente, em algum momento, disse ou ouviu esta
tão conhecida frase.
Cresci habituada a refletir
sobre o que me rodeia e, ao longo destes anos, tenho pensado sobre este “damos
valor quando perdemos”. Quando criança, - como qualquer criança que diz tudo o
que pensa -, afirmava “se as pessoas sabem que só dão valor quando perdem,
porque se deixam perder para dar valor?”. E aquela frase que, dita por uma
menina, parecia confusa, hoje, aos 24 anos, parece-me fazer todo o sentido.
Porque é que todos proferimos esta frase mas raramente fazemos alguma coisa
para a mudar?
Certo é que o primeiro passo
para alterarmos alguma coisa está em identificarmos a origem do problema. Ora,
a origem do problema aqui já está identificada. É dedicarmos pouco tempo ao
outro. Acreditarmos que cada um de nós tem a sua vida. Quando, na verdade,
dependemos todos uns dos outros. Dependemos de abraços, de sorrisos, de noites
passadas à lareira a contar histórias e de palavras que nos caem no ouvido e
nos emocionam quando ditas pelos que amamos. Mas pouco fazemos para saborear
cada um destes momentos.
Percebemos que esta é a origem
do problema quando, ao questionarem-nos sobre “e se hoje fosse o teu último dia
de vida?”, respondemos sempre da mesma forma: diria que amo a quem amo,
abraçaria quem sempre quis abraçar, pediria desculpas aos que magoei. O que não
nos passa pela cabeça é que, no segundo a seguir a respondermos a esta
pergunta, podemos realmente partir para outro sítio. Um sítio que não sabemos
se existe. E não fazemos nada do que gostaríamos de fazer “se este fosse o
nosso último dia de vida”.
Sabendo de tudo isto porque é
que, durante 24 anos, ouvi sempre a mesma história? Porque é que continuamos a
precisar de perder para valorizar o que quer que seja? Provavelmente porque
somos todos egoístas. Porque sabemos como isto pode terminar mas preferimos
acreditar que não. Porque teimamos em enganar-nos a nós próprios acreditando
que há sempre tempo. Que podemos abraçar amanhã, encontrar aquele sorriso um
dia destes, contar histórias à lareira no inverno seguinte e ouvir o que os que
nos amam têm para nos dizer quando tivermos um minuto livre na nossa agenda
preenchida por tudo e por nada ao mesmo tempo.
Mas a novidade que não é
novidade alguma é: não há tempo. Enquanto escrevo este texto, há filhos a
perder os pais. Pais a perder os filhos. Avós a partirem sem verem os netos há
meses ou até anos. Mas a culpa é de tudo menos do tempo. O tempo corre sem que
se possa controlar. Todavia, nós decidimos o que fazemos com ele. Talvez a
nossa falta de tempo está em insistirmos que temos tempo a mais para pensar,
dizer e mostrar. Até ao dia em que, na verdade, o tempo acaba. A vida ensina e
talvez o maior ensinamento que ela nos dá seja aquele a que, curiosamente,
damos menos valor: valorizar antes de perder.
Publicado em Repórter Sombra