Edmundo Silva, mais
conhecido por Mundo Segundo, é,
atualmente, um dos nomes mais incontornáveis do hip hop português. No passado
dia 3 de agosto, deixou todas as suas palavras no palco do Festival das
Francesinhas, em Peso da Régua.
“Margens do Douro”, “Era
uma vez” e “Nada dura para sempre” foram algumas das músicas que fizeram o
público reguense vibrar. Na companhia de Maze
e Macaia, o artista gaiense
marcou presença na segunda noite do festival num concerto que agradou a todas
as faixas etárias.
Horas antes do concerto, Mundo Segundo deu uma entrevista ao Jornal Mira Online, onde falou um pouco
do seu percurso profissional e artístico.
Fotografia:
André Henriques ©Deck97
Costumas
adaptar os teus concertos ao tipo de público que tens à frente ou à cidade a
que vais atuar?
Há um conjunto de músicas
que são a espinha dorsal do concerto. Quando é um público especificamente só de
hip hop, por exemplo, o concerto leva algumas músicas para além das de um
concerto que não é só para pessoas dessa cultura. No fundo, os concertos
divergem ligeiramente consoante o público, mas há uma espinha dorsal que reside
em todos os concertos.
Referiste
diversas vezes que começaste a fazer rap devido a uma perda que tiveste na tua
vida. É mais fácil expressar-nos através da escrita? Achas que isso é uma coisa
comum a todos os músicos?
Sim, acho que sim. No meu
caso, eu era um adolescente muito introspetivo, não era muito de conversar
sobre os problemas que tinha e as palavras ajudaram-me a exteriorizar e a
aliviar-me um pouco através da poesia.
Acabas
por exteriorizar coisas mas, ao mesmo tempo, também chegas mais facilmente ao
coração das pessoas que também já enfrentaram situações semelhantes?
Sim. As experiências são
comuns a todos os seres humanos. Em alturas diferentes da vida, todos passamos
mais ou menos pelo mesmo com alguma nuance consoante as vidas que cada um leva.
Mas, sem dúvida, tudo o que são sentimentos e experiências atinge muito mais
rápido as pessoas que se sentem identificadas.
Ao
longo destes 20 anos de carreira notas uma diferença positiva na forma como as
pessoas recebem o hip hop?
Sim, sem dúvida. Quando
comecei éramos, como se costuma dizer, “meia dúzia de gatos pingados” e, hoje
em dia, a qualquer lado que vás ouve-se hip hop. Mesmo na terra mais interior
do país de certeza que há duas ou três pessoas que fazem e ouvem hip hop. E,
por exemplo, há uns quinze anos atrás tu tinhas dois ou três sítios que abriam
as portas ao hip hop. Hoje, o hip hop está em todo o lado: nos festivais, nas
festas da terra. Por isso, sim, existe uma grande diferença, assim como no
número de pessoas que o ouvem que é muito maior.
Porque
é que achas que, hoje em dia, as pessoas são mais recetivas ao hip hop?
Sem presunção, eu acho
que a culpa é nossa. Nós fomos desbravando o caminho, fazendo com que as
pessoas percebessem que fazer rap na língua de Camões era credível e acho que
isso foi um passo importante também para a música portuguesa. Porque o hip hop
feito em português reavivou a língua portuguesa e, hoje, tu vês muitos grupos
de rock que, se calhar, estavam a cantar em inglês e agora já cantam em
português e eu sei que isso foi 90% culpa do hip hop. Acho que o facto de
cantarmos em português faz com que as pessoas respeitem mais o hip hop.
O
rap é um estilo muito característico. A nível mais técnico, que cuidados tens
com a voz?
Há dez anos não tinha
cuidado nenhum (risos). Fumava muito, dormia pouco... Hoje em dia, tenho alguns
cuidados. Por exemplo, não beber coisas frescas, não apanhar frio, dormir bem,
porque a voz precisa de descansar. Aquecer um pouco antes de entrar em palco. É
preciso sempre ter algum cuidado.
Tu
já trabalhaste com os Dealema e, entretanto, em 2006, lanças o teu álbum
individual. Aprendes mais a trabalhar sozinho ou em equipa?
É diferente. Num projeto
a solo, tu és a única pessoa que conduz. Num projeto com mais pessoas és só um
pedaço do motor, digamos assim. E eu tanto sei trabalhar sozinho como ser parte
de uma equipa. Adapto-me bem aos estilos e métodos de trabalho das outras
pessoas, mas são experiências totalmente diferentes. Gosto muito das duas.
Numa
época em que se produz tanta música, na tua opinião, o que é que tu tens que
faz de ti um dos nomes mais incontornáveis do hip hop português?
Acho que não tenho nada
de mais especial que os outros. Acho que a única diferença, se calhar, é que eu
não tento ser ninguém que não sou. Eu sou só eu e não tento seguir uma
tendência. Desde o início, sempre tentei definir o meu estilo, seguir a minha
linha, os meus ideais e viver a minha realidade. Hoje em dia, há muitas pessoas
que vivem de uma realidade inventada. E eu acho que o princípio de seres
original é seres tu próprio e não teres que querer ser igual para seres aceite,
porque esse é o princípio de marcar a diferença. O “seres tu” é o mais
importante neste meio.
Ou
seja, enquanto produzes a tua música não pensas tanto no que é que as pessoas
querem ouvir mas no que é teu e no que queres transmitir...
Sim. Desde o início, e
até hoje, eu faço música para mim. Por acaso tive sorte porque o resto das
pessoas gostaram. Mas sempre que vou para o estúdio e vou escrever alguma coisa
e produzir, eu produzo para o meu gosto e não porque alguém vai gostar. Se
fores uma pessoa que tem conhecimentos e que percebe a arte, a tua auto-crítica
e o filtrares o que achas que é mau e bom já te dá um certo nível. Acho que é importante
seres tu próprio a filtrar o que é que é bom para ti e, depois, os outros
gostarem, ainda melhor (risos).
Qual
é a tua maior “Obsessão”?
Criar. Ser criativo.
Consideras-te
um “Anjo ou Demónio”?
Considero-me os dois
(risos).
O
que é que “Tu Não Sabes”?
Se serei sempre criativo.
Depois de Mundo Segundo, há ainda espaço para HMB e Fingertips no festival que decorre de 2 a 5 de agosto.
Publicado em: Jornal Mira Online
Cresci a ouvi-lo, por isso, não podia ter ficado mais feliz com esta entrevista! Perceber que, tanto tempo depois, continua com o mesmo traço distintivo é incrível *-*
ResponderEliminarr: Sim, concordo contigo, até porque as crianças captam tudo o que fazemos e acabam por reproduzir as nossas atitudes, os nossos gestos, tudo